quarta-feira, 28 de abril de 2010

Parte de mim é você


Corpo de menino, por volta dos 8 anos...
Mas talvez tenha mais.
Pés descalços, uma calça folgada cortada no joelho,
E uma camiseta bem maior que o seu tamanho,
Aparenta está a dias usando aquela mesma vestimenta.
Percorre o corredor do ônibus estendendo sua mão,
O odor de 'thinner' é forte...
Lá atrás três de seus companheiros, também jovens,
Mas parecendo maiores que ele,
Discutem sobre quem deixou o cachimbo cair.
O menino se aproxima, pede sorrindo
"tia me dá um dinheiro, meus irmão tão com fome"
"eu não tenho"
E eu não tinha mesmo...
Se tivesse eu daria?
Seus dedos parecem queimados nas pontas,
Estaria eu ao ajudar-lhe contribuindo para os seus vícios?
Já contribuo com o meu silêncio, com meu medo, com minha ignorância...
Olhei bem para ele, "que rosto bonito" pensei
Escondido atrás daquele descuido
Os olhos bem escuros, a pele negra bem lisa, ainda que suja.
Os cabelos cacheados, tão emaranhados que impedem a entrada total do boné.
Meus óculos escuros escondem os meus olhos cheios d'água
Sua imagem me inquieta, me questiona, me afeta...
Uma mulher entra e ele sorri,
Aquele sorriso de quem encontra um amigo querido
"Ó, é ela!!" diz
"Sai fora, não te conheço!!" ela responde
O sorriso acaba, transforma-se em raiva
"Você ficou conversando comigo outro dia,
e agora não me conhece não é?!!"
Tive vontade de abraçá-lo.
Desci do ônibus
Com a sensação de ter esquecido algo
De ter abandonado alguém...
Aí cheguei em casa e escrevi isso:

Meus olhos chorosos
Imaginam, mas não vê.
Sentem, mas não sabem
O que se passa com você...
Quanto tempo levou
Para nos construirmos assim?
Você aí e eu aqui
Como se eu não pudesse está aí
Ou você aqui...
Mas eu poderia sim, você também.
Aonde perdemos nossa humanidade,
Porque esquecemos de nossos potenciais?

Quando é que vou entender
Que você é igual à mim?
Quando é que vou entender
Que você faz parte de mim?
Que eu sou igual à você.
Que eu sou parte de você.

Seus olhos tão tristes
Como posso esquecer
Os muitos olhares
Fingindo não te vê...
Mas, eu também tenho medo
Desse mundo tão fugaz.
Queria poder abraçá-lo
Eu queria fazer você entender
Que eu também tenho os meus defeitos
E você um tanto mais de qualidades,
Vou te contar um segredo:
Nós, somos iguais.

Denise Viana * Psico-Poeta