quarta-feira, 1 de fevereiro de 2023

Hellen, nem covarde, nem horoína

"Quando partiu, levava as mãos no bolso, a cabeça erguida. Não olhava para trás, porque olhar para trás era uma maneira de ficar num pedaço qualquer para partir incompleto, ficado em meio para trás. Não olhava, pois, e, pois não ficava. Completo, partiu [...]" Caio Fernando Abreu

Passamos de 1 ano da sua ausência. Hellen, obrigada por sua existência! E pela resistência, até onde deu. Perdoe-me não ter feito mais, se é que algo poderia ser feito para que você ainda estivesse conosco. Talvez seja muita audácia achar que você estaria melhor ao nosso lado, não é mesmo? Mas podemos sempre melhorar, por isso não nos culpo. Não me culpo. Não mais. Tão pouco culpo a ti. Não poderia culpá-la se tivesse um câncer ou alguma outra condição que lhe tirasse a vida. Sinto muito! Sinto saudades! Sinto pelo que não vivestes. Pelos sabores que não provastes, pelas canções que não ouvistes, pelos amores não amados, pelas mágoas não perdoadas, pelos sonhos não vividos. Sinto muito não ter lhe mostrado outros modos, outros mundos, outras pessoas, outras possibilidades de viver, de ser/estar sendo/estando. Eu sei, eu sei que não há receitas e garantias. E que não há culpados. Eu queria ter sido capaz de tirar suas dores com as mãos, se possível fosse. As perguntas que ficaram jamais serão respondidas. Não aqui. Não apenas com o meu desejo. E é duro lidar com a realidade da finitude e suas infinitas interrogações. Mas em meio a tanta dor, eu também sinto o seu amor. Ouço sua voz suave. Vejo seu olhar de ternura. Te sinto em meu colo, quando cabia e quando não cabia mais. Sinto sua generosidade. Não sinto falta do seu silêncio, mas este, foi o que ficou. Lutar contra o luto não é viável, então, lutamos com. Você foi muito mais do que alguém que tirou a própria vida. Muito mais do que cada desafio, desavença ou afronta. Você também foi risadas compartilhadas, abraços apertados, festa e dança, lasanha e suco, encontros inesperados, sopas quentes no inverno, livros, sorvetes no verão, vaidosa com os cabelos, irônica, sagaz, sábia, dedicada, solidária, tímida, mas atrevida o bastante para se arriscar, para amar, para não se conformar com os conformados, com os intolerantes, com os julgamentos. A dor do outro lhe doía tanto que escondia a própria dor, para dar lugar aos outros. Você não era egoísta, nem covarde, nem heroína. Seu ato não foi corajoso, nem fraqueza. Foi escolha. Lidaremos para sempre com ela e com o pesar humano, demasiadamente humano, que as escolhas trazem. Que sua criança interior, embalada na memória de uma infância tão exaltada por ti como a sua melhor fase, abrace a jovem que tinha medo de deixá-la para traz. Tanto medo que decidiu não mais seguir adiante. Uma jovem que tinha pressa demais. Que você tenha encontrado a paz que buscavas. 
Por aqui viver tem sido um privilégio, dentro do que esteve ao meu alcance e das minhas escolhas. Nem todos os dias são fáceis, nem todos os dias são difíceis. Espero envelhecer com saúde (no sentido mais amplo dela). Recomendo-lhe o avançar da vida adulta em uma próxima jornada, caso tenha. Eu não voltaria a nenhum lugar do meu passado, exceto aos momentos em que tive a honra do seu abraço e da sua companhia.

com amor,
tia deni

Aos leitores um pedido: Ascendam uma vela e, de acordo com sua fé/crença ou descrença, ofereça-a à nossa querida Hellen. Se você estiver com algum pensamento suicida, busque ajuda. Viver é possível! Dê uma chance à dúvida do dia seguinte. Se você conhece alguém com sinais de risco, ajude e busque por ajuda. Procure por profissionais da saúde mental, e também pelos recursos familiares, comunitários, sociais e espirituais que lhe forem acessíveis. Mas sem culpar os sujeitos que sofrem e as pessoas em seu entorno. Sem desmerecer, sem julgar, sem comparar, sem achar que é ausência ou excesso disso ou daquilo. É muito mais complexo e multifatorial do que pensas. Não precisa passar por isso sozinho/a. Peça ajuda, compartilhe a sua dor.