Foi a quinta-feira mais longa e esperada nas últimas semanas por aquela
mulher.
As horas demoravam a passar e o amanhecer foi lento.
Acordou várias vezes na madrugada, com medo de perder a hora.
Enfim, o despertador tocou.
O corpo externo se preparava automaticamente para as atividades
laborais do dia.
Mas uma inquietude lhe tomava.
“É hoje!” pensava a cada passo e movimento.
A esperança e o medo se digladiavam dentro de si.
Evitava as expectativas. Evitava pensar muito sobre o assunto.
Há semanas esperava aquele dia, mas não parou de viver para esperá-lo.
Fez tantas coisas e havia outras tantas a se fazer.
Estava tão preocupada com as pessoas queridas que recentemente estiveram
com a saúde fragilizada, que pensava ser bobagens as suas preocupações.
Afinal de contas, não estava precisando de cuidados médicos.
Mas ela sabia muito bem que saúde não é apenas bem-estar físico.
Aceitou sua aflição.
Não tinha muito tempo, não conseguiu comer nada antes de sair de casa.
Trabalhou sem parar naquela manhã. Até olvidou o compromisso do meio
dia.
A consciência esqueceu. E questionava ao corpo interno o porque da
taquicardia e agitação.
Uma mensagem no celular. “Cheguei!” ele avisa.
Recordou o combinado e
compreendeu os sinais de ansiedade.
Em alguns segundos, estaria com ele.
O mais amado, mas também o que mais a fez chorar.
Fazia tanto tempo que não o via cara a cara.
Uma “conversa olho no olho”, foi o que ele pediu.
Ela, queria saber se ainda havia amor ou se podia partir sem medo.
O avistou de longe, na porta de casa.
Aquela sua casa onde tantas vezes imaginou a presença dele.
Sorrir com ele. Cozinhar para ele. Dormir ao lado dele.
E lá estava ele. Tão perto.
Falava ao telefone e ela o esperou terminar, de longe.
O viu atravessar a rua enquanto a agonia virava tremor. Tinha fome, era
fato.
De comida? Dele? Talvez de ambos.
O abraço não foi como o esperado, as palavras dele também não.
Ela havia criado expectativas, teve a certeza disso e se odiou naquele
instante por isso.
O bom humor guiou o diálogo. Demoraram a tocar no assunto.
Comeram, conversaram com os demais presentes, disfarçaram.
Logo após a sobremesa estavam a sós novamente.
Não havia como fugir.
Ela, como sempre, não conseguia disfarçar muito bem o que sentia.
Ele, como sempre, tentava se esquivar. “Conversamos no carro” sugeriu.
Ela não respondeu, apenas sentou no sofá e esperou ele fazer o mesmo. E
o fez.
“Tão perto e tão longe” pensou ela nesse clichê.
Olhavam-se. Ele a esperava, mas ela se fez de desentendida, então ele
começou a falar.
Tinha muitas dúvidas quanto ao futuro, que ela, claro, não podia
responder.
O futuro é sempre incerto e estava longe de seu alcance oferecer a ele
alguma garantia.
Ela pensou que a conversa não ia dar em nada, então resolveu apenas
falar tudo.
Arriscou-se no tudo ou nada.
Foi sincera. Falou dos sentimentos que os separaram.
Das mágoas que os afastaram. Da espera. Das outras paixões. Da
angústia. Da saudade.
Do conformismo com o fim, e por fim, da esperança ressurgida numa
ligação de uma tarde qualquer.
Mas ele ainda tinha remorsos passados, ainda estava preso a pequenas
dúvidas que jamais seriam desvendadas. Uma vez que o passado não volta. Uma vez
que a palavra dela já não lhe bastava.
Ela também tinha lá suas revoltinhas e pesares, mas há muito havia se
desprendido de sofrer pelo que não poderia ser mudado.
Nada podia fazer pelo que já havia passado ou pelo futuro em perspectiva.
Sua única proposta era o que de real tinha em mãos: o presente, o aqui e agora.
Cheio de bagagens, passagens, livros e obrigações, mas com um lugar
especial, único e honesto. Que claro que queria ser mais do que antes, queria
tê-lo mais perto, mas também queria um sentimento mais leve.
Porém, ele estava pesado. “Não mudou nada”, ela pensou.
Estava certa e errada. Ele era o mesmo, mas agora não mais escondia
dela quem realmente era.
O seu “eu não confio em ninguém” soou aos ouvidos dela como um “eu não
sou confiável”.
Afinal, é realmente difícil acreditar que há no outro algo que não
vemos/sentimos em nós.
Mais a frente ele confirmaria isso com um audível “sou muito mentiroso”.
Bem, não havia muito mais a se dizer.
O que se passava na cabeça dele era uma incógnita pra ela.
Por outro lado, talvez ele tenha percebido a vontade dela de beijá-lo.
Talvez o desejo fosse recíproco. Pelo menos ambos fugiam de se olharem nos
olhos por mais de alguns segundos.
Ela pensou em contar-lhe dos planos que inevitavelmente fez. Dos sonhos
futuros que tivera pensando nele. Mas ele não lhe deu espaço para isso.
A mulher constatou que talvez não fosse dele que sentia falta, mas dos planos
que havia feito com ele.
Se prepararam para sair. Comeram um pouco mais de doce e o bom humor
voltou para aliviar o peso daquele encontro, daquele papo indefinido.
Suas mãos se tocaram, ela apertou seus dedos contra os seus.
Era um toque inesquecível. Sentiu vontade de não largar, e ele quis
corresponder.
Mas foi complacente e não mais lhe deu falsas esperanças.
Inevitável também foi os seus lábios não ficarem a um centímetro um do outro.
Cheiro, calor, pele, suor, mãos, lábios. Tudo tão perto. As lembranças
os aproximaram.
E afastaram pouco tempo depois.
Ele não era mais dela. Mas precisava sentir aquilo.
Precisava sentir na pele a descoberta de que ela, também, não era mais
dele.
Por que assim ainda se sentia. Mesmo sabendo do engodo e fantasia do
pertencimento.
Na verdade, o que ela precisava sentir era que aquele homem nem era
mais aquele lá dos seus sonhos.
Ela queria o aconchego de um sentimento verdadeiro, que só a ele um dia
ofereceu.
Ele queria a comodidade de uma mulher para esperá-lo em casa, que não
lhe desse trabalho, e quase ficou claro que poderia ser qualquer uma.
E junto com a esperança que ainda havia nela, o amor partiu.
Eram só velhos amigos voltando para a cidade natal.
Ele ainda incitou um pouco mais de espera, uma definição melhor após
uma noite de sono.
Ela sentiu-se ser “cozinhada”, como ele fazia com as outras enquanto
estava com ela.

Doía-lhe na alma entender o que acontecia. O fim era mais que
perceptível. Era sinestésico.
E é claro que em meio a dor, ela ainda esperava. Ela sempre acredita
nas pessoas.
Mesmo nele, que lhe pediu para não acreditar em ninguém, nem nele
mesmo.
Mas ela era assim, defeito de fábrica. O que fazer?
Tinha como premissa de vida que deixar de acreditar no próximo seria como
deixar de acreditar em si mesma. Como perder a fé. Como perder o sentido da
vida.
Esperou e conforme o previsto, ele não apareceu.
Dois dias após, ela decidiu ir embora de vez.
Recolheu seus afetos retalhados e, antes que perdesse todo o crédito no
amor, despediu-se dele, e foi de alma leve permitir-se a viver outra vez.
Denise Viana