segunda-feira, 6 de julho de 2009

Análise do filme A Metamorfose, através do estudo da Alteridade


Refletindo sobre o filme A Metamorfose – História de Kafka, pode-se compreender um pouco mais sobre a questão da alteridade, da consciência do outro, não só da percepção do outro, mas de sentir-se no outro, de ver você no outro e o outro em você. Como bem fala Pedrinho Guareschi, a noção de “outro” vem do sentido da “relação”, sendo esta relação “uma realidade que para poder ser necessita de outra, senão não é.”
Nota-se que no filme, Gregor está envolto nesta dinâmica das relações, primeiramente o filme mostra a sua relação de poder, de provedor, de detentor do trabalho, de ser o grande arrimo que assegura a sua família, onde pai, mãe e irmã sentem-se bastante confortáveis na posição de assegurados por esta relação. A partir do segundo momento, quando esta relação se inverte, a experiência do outro, e do outro diferente e dependente em que agora Gregor se encontra, passa a ser de ódio, de desejo de extermínio daquele que atrapalha e impede a vida.
Muitas vezes pensamos no outro como algo longe de nós, longe de nossos referenciais morais, éticos, políticos, sem vínculos com a nossa existência, mas o outro, mesmo não sendo nós, faz parte do que somos, isto é, o outro é mesmo o “outro” sim, é aquele que não sou eu, mas que, segundo o professor Paulo Cesar Duque-Estrada (PUC-RJ), é algo que está ligado à mim, que é inseparável de mim, da minha cultura, da minha língua, do meu devir, do devir da minha vida.
Ao transformar-se em inseto, ou melhor pontuando, ao sair da posição de provedor, Gregor perde para sua família todo o seu teor humano, e como o humano é caracterizado em nossa sociedade como um ser racional, o antigo Gregor, o Gregor provedor, morre com a sua racionalidade, ficando ali somente o seu corpo inseto, irracional, com o qual a família não quer se relacionar, negando a sua aceitação e a sua existência.
Para Maturana (2002), o ser humano se constitui exatamente no entrelaçamento do racional com o emocional. Dizer que a razão caracteriza o humano é um “antolho”, pois nos deixa cegos frente à emoção, que é desvalorizada como algo animal, ou algo que nega a razão. Percebemos nas cenas do filme que Gregor, apesar de não mais conseguir se comunicar, se alimentar e viver como um ser humano, tinha emoções, todos os seus afetos se passavam em sua mente, nas lembranças do passado e nos sonhos que tinha com a vida que poderia ter vivido, caso não houvesse as obrigações que possuía quando provia a sua família.
Para além da literatura, do conto do homem que se transformou num inseto, a atitude da família de Gregor, é muito comum em nossa realidade, é a negação do outro, é o fato de não aceitarmos o modo de viver do outro como algo possível, porque está fora do nosso padrão, do nosso controle, e assim sendo, é algo ameaçador. Essa negação ocorre em vários âmbitos, mas principalmente na área da saúde/doença mental. A visão dos doentes mentais, tanto dos olhos dos profissionais quanto do senso comum, ainda é ofuscada pela negatividade que carregam os rótulos dessas doenças.
Muitas famílias se frustram diante do sofrimento mental de um ente, se frustrar faz parte da emoção destas pessoas, o que aqui não é o problema, pois a família também sofre, também é afetada por esta mudança, a questão que aqui é situada está entre o acolhimento deste ente e da negação dele. Muitos acreditam que é conveniente afastá-lo, trancá-lo, dominá-lo, "castrá-lo quimicamente", pois o seu modo de viver não cabe dentro do ciclo familiar e social. E ao mesmo tempo em que o “doente” necessita se afastar das relações para que a família possa continuar a viver, parece-nos que somente o óbito deste, consegue dar a liberdade àqueles. Por isso, é a morte de Gregor que liberta sua família, o novo Gregor, o “outro”, o inseto, embora negado, ainda interferia em suas vidas, pois conforme Guareschi, o “outro” é sim alguém essencial em nossa existência, e da qual depende o nosso próprio agir.

Denise Viana * Psico-Poeta

2 comentários:

  1. Ei Poetisa...
    Muito massa essa análise... Nunca a tinha feito por este ângulo....
    Já li o livro... Mas num sabia que tinha o filme!!!

    A minha alteridade - que é vc - me encanta!!!
    rsrsrs

    Bjaum!!!

    Ah.....

    Essa foto do poema abaixo é vc, num é?

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  2. Com certeza, sem o outro a nossa vida é muito mais triste. Por mais que neguemos, precisamos um do outro. Nós influenciamos e somos influencados o tempo todo, e se tiver alguma dúvida relatica a isso, rompa sua ligação com o outro e veja o que será de você...

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